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Nascimento do Brincante II- O calhambeque-bi-bi-te

By Antonio Nóbrega | 31 dezembro 2012 | Sem Comentários


Se o espetáculo e o teatro Brincante nasceram ali no ano de 1992, o espírito brincante eu já carregava comigo desde há muito tempo.
Quando ainda era menino tinha com minhas irmãs um conjunto musical em que cantava, tocava e até vez por outra inventava de representar. Com esse grupo eu interpretava músicas de Roberto Carlos, dos Beatles, música francesa, espanhola, música clássica e também músicas minhas. Só não era realmente a mistureba do samba do crioulo doido porque samba mesmo era o que menos executávamos. Ou seja, a música que cantávamos e tocávamos era basicamente aquela que ouvíamos nas rádios, na nascente televisão e a que praticávamos na Escola de Belas Artes de Recife onde estudava violino. Ainda para reforçar a minha simpatia pelo espírito brincante, devo informar a todos que por três vezes entrei nos concursos de canto e declamação do colégio Marista, onde estudava. Tinha, acho, de doze pra treze anos. Pois bem, durante os consecutivos três anos eu tracei todos os primeiros lugares…! É mole? Na categoria canto, com as músicas Calhambeque e Arrastão e na categoria declamação com o poema de Vinícius de Morais O Operário em Construção.
Não sei se vocês podem me imaginar cantando, num ano, o Calhambeque-bi-bi-te (versão Roberto Carlos) de calça de helanca azul boca de sino, colada na bunda, sapato de fivelão prateado e, noutro ano, arremessando os braços pra lá e pra cá, pra cima e pra baixo, no bom estilo Elis Regina, cantando a canção Arrastão do Edu Lobo. Pois foi o que aconteceu.
Consequentemente, portanto, quando em 1970 , a partir do convite de Ariano Suassuna para integrar o Quinteto Armorial, eu comecei a me interessar pelo universo dos brincantes populares, o meu espírito já estava preparado para fazer aquele grande mergulho brincante-cultural que me conduziu até aqui.
Posso dizer que tomar conhecimento dos brincantes ou folgazões, dançadores e músicos populares foi, naquela ocasião, como se eu tivesse sendo acometido de uma espécie de profundológico abalo sísmico cultural.
Imaginem novamente vocês que até aquele momento eu nunca tinha ouvido falar de bumba-meu-boi, maracatu, rabeca, cantadores, coco, embolada, mateus, frevo, etc. Aquele era para mim realmente um “admirável mundo novo” que se descortinava. Era o próprio realismo mágico em pessoa se revelando para mim.
Aliás, por essa época eu andava lendo o livro Sonhos, Memórias e Reflexões de Jung. Uma obra que guarda um pouco da mesma atmosfera onírica, lunar e cheia de maravilhas que eu descobria naquele universo que começava a vivenciar. Junguiando esse texto, acho que esse período corresponderia na minha vida a uma espécie de “iniciação aos mistérios do povo brasileiro”. Uso, aliás, a palavra mistério glosando um pouco aquele sentido dado a ela pelos antigos gregos quando iniciavam-se nos mistérios eleusinos. Através desses mistérios celebravam o regresso de Perséfone, representação mítica do retorno das plantas e da vida à terra no ciclo da primavera. De certa forma era isso o que eu sentia mesmo: uma espécie de retorno ou reencontro comigo mesmo, com as forças telúricas e vitais da minha natureza primaveril, através do rico e caudaloso imaginário popular. Durante vários e vários anos esse imaginário cultural por meio de cantos, danças, ritmos, entremeios teatrais, etc., me tomaria até à medula.
Bem, acho que vou parando por aqui hoje. Mas como não acabei ainda o danado do assunto Nascimento do Brincante, voltarei a ele ainda…
Salve.