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Brasil nosso de cada dia

By Antonio Nóbrega | 2 março 2016

O novo relatório da Anistia Internacional revela os retrocessos em relação aos direitos humanos no país tomando como base a pauta do Legislativo e a tendência dos parlamentares:

  1. Impedir o aborto até mesmo em casos de estupro;

  2. Impossibilitar a demarcação de terras indígenas, dívida histórica. Os conflitos só fazem aumentar;

  3. Eliminar as restrições ao porte de arma (num país recordista de homicídios em números absolutos).

 

CURIOSIDADES DA CRISE

Dei-me tempo de calcular quanto os brasileiros deixaram nas bilheterias dos estádios para assistir os Rollings Stones e, salvo engano meu, só em compra de ingressos calculo que não foi menos de R$ 70.000,00 milhões. É bastante, né? Crise de afeto sai caro.

AINDA SOBRE ELA, A CRISE:

A Avibras, a mais importante indústria de equipamentos militares do país cresceu quase 10 vezes entre 2012 e 2016. Ou seja, a sua receita pulou de 154 milhões para 1,33 bilhão de reais no período. A estrela da empresa é o sistema Astros, de artilharia de foguetes e mísseis detentor de 25% do mercado mundial no segmento. Cada bateria da família Astros II é composta de seis caminhões lançadores de foguetes, mais seis veículos remuniciadores e outro com sistema de radar e meteorologia para controle de tiro… Quem sabe alguns deles não estejam passeando pela ruas da Síria ou do Iraque?

Pra fechar tem um videozinho que me mandaram. Assisti e achei legal passar adiante.


POR FAVOR, PARE, AGORA! SENHOR JUIZ, PARE, AGORA!

By Antonio Nóbrega | 16 setembro 2015

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Não sei se recordam-se desse frase aí de cima. É o refrão daquela canção interpretada pela Wanderléa à época da jovem guarda. Lembro-me que a cantava com as minhas irmãs num conjunto musical caseiro que mantínhamos. Foi esse refrão que me veio imediatamente à lembrança domingo pela manhã quando li na Folha de São Paulo matéria sobre o salário dos desembargadores e juízes. Fiquei com o juízo meio derrubado ao tomar conhecimento da quantidade de “auxílios”, sete ao todo, que recebem juízes e desembargadores lotados no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, segundo o jornal, o mais rico do país. Rico, realmente, porque o tribunal tem um Fundo Especial cuja arrecadação anual é de cerca de um bilhão de reais, dinheiro que deveria ser destinado a melhorias do próprio poder Judiciário. Pois bem, os R$ 4.377,00 de auxílio-moradia, mais R$ 1.825,00 de auxílio-alimentação, mais R$ 953,47 e R$ 953,47 de auxílio-creche e auxílio-educação, para o caso de terem filhos em correspondentes fases etárias, mais proventos extras por acumulação de cargos na ordem de R$ 15.235,00 e mais auxílio-funeral de R$1.800,65… irão somar-se ao seu salário base de R$ 30.000,00. É um pouquinho bão, né?

Aproveitei o ensejo da matéria e fui me informar adicionalmente. Tomei conhecimento (O DIA Rio, 03/06/2015) que uma juíza diretora do fórum recebeu em março a quantia de R$ 129.000,65, que um juiz da vice-presidência embolsou em fevereiro R$ 163.444,00 e que um desembargador, em janeiro, engordurou sua conta bancária com mais R$ 241.823,34…

É claro que se formos levar uma conversa, como se diz por aí, numa boa, com os senhores juízes e desembargadores, tudo isso será defensável, afinal eles estão longe de ganhar os supersalários embolsados mensalmente por um mar de gente por esse mundo aí afora, um mundo que, em vão, tantos de nós tentamos nos acomodar. Afinal nos ensinam que “o mundo é assim”!

Porque, ao que parece, toda essa gastança está dentro da lei, do direito! Dentro do que a Constituição permite, referenda! Ao invés de um ideal de justiça criamos foi uma fantasmagoria de justiça. É isso mesmo. Será que a legalidade jurídica legitima uma disparidade dessas? Uma tamanha disparidade, uma desconformidade com a realidade social do país. E aí, como mudar esse estado de coisas? Se a instituição que legisla o país abona esse tipo de conduta, como mudar esse sistema, um sistema-mundo, diga-se afinal, cujo único ou maior objetivo parece ser o de amealhar, lucrar, estocar! Quem não desconfia que posturas como essas só fazem encolher o nosso, já de si tão precário, espírito de compartilhamento, de justiça social? E do jeito que a carruagem anda, estamos já achando que comportamentos dessa natureza são absolutamente normais, como se fizessem parte do tabuleiro “natural” do jogo do mundo.

Ao final, a impressão que tenho é que a nossa animalidade – sem querer ferir os animais – ainda se sobrepõe demasiado à nossa humanidade. Não são tão relevantes os nossos progressos ainda. E aí? Conseguiremos nos reconfigurar, por dentro, antes que o estrago seja inevitável, e talvez até irremediável? Que energia teremos de realocar em nós para, transformando-nos, mudar a paisagem espiritual do mundo? Como quebrar a cadeia dos automatismos que nos conduz sempre em direção ao mesmo assíduo e confortável lugar? Não haverá outras instâncias confortáveis dentro de nós que, por não as frequentarmos, sentimos um enorme temor em experienciá-las? Outros estados mentais? Não haverá outros “chips” mentais dentro de nós? A ciência tão ciosa do “desenvolvimento humano”, porque não busca formas de nos ajudar a reeducar os nossos córtices cerebrais? É isso mesmo! Que novas conexões neuronais não estariam já prontas para desabrochar e florescer esperando só um “empurrãozinho” do espírito civilizatório? Já pensaram se acolhêssemos e cultivássemos – lembrando que cultivo e cultura têm a mesma raiz etimológica – uma forma de nos educarmos onde o senso de justiça e humanidade fossem tópicos absolutamente prioritários?! Uma nova maneira religiosa de viver a vida – um todo religado –, mas sem deuses. Chega de deuses! Nesse sentido não teriam os budistas através dos seus processos de meditação pistas a nos oferecer? O que dizer do exercício de um cristianismo sem mediação, terreno, vivo, “a la Francisco”, o nosso cara, hoje!

(Fico pensando se num gesto improvável, impensável, dificilmente possível, um desembargador ou juiz, ou alguns deles dissessem: – “Não! Vamos redirecionar um desses auxílios mensais para uma instituição de ensino “!” O que diria a Standard & Poor’s se atitudes-investimento dessa natureza pipocassem?)

Em todo o caso, enquanto tudo isso não deixe de parecer ficção científica ou utopia, ou sei lá o quê, não nos resta pedir, como na canção: senhor juiz, por favor, pare agora!


Singer, eu e a cantadeira

By Antonio Nóbrega | 24 março 2015

Uma boa leitura para esta semana é a entrevista com o cientista político André Singer publicada neste domingo (22/03) no caderno “Ilustríssima”, da Folha de São Paulo. O tema da entrevista é a atual situação política e econômica do país e a presidente Dilma. Vários tópicos nos fornecem à abastança material para reflexão e discussão. Aproveito dois deles para dar fundamento ao meu pequeno texto de hoje.

Um deles diz o seguinte: “A classe média tradicional mostrou que tem horror à ascensão social dos pobres. É um fenômeno sociológico e político. Chega a ser uma rejeição ao próprio povo brasileiro”. Para mim essa é uma daquelas questões realmente essenciais, e precisamos compreender urgentemente as razões que levaram essa rejeição ao ponto em que chegou, pois, tanto no plano social quanto no cultural, ela só tende a nos afastar da compreensão de nós mesmos, fazendo retardar enormemente o nosso avanço em relação a uma nação mais justa e de todos.

As frases acima lembraram-me de um fato que ocorreu comigo. Na verdade, é uma pequena historieta que começa no dia em que uma musicista, ao me escutar cantar um romance* num recital aqui em São Paulo, ficou empolgadíssima com a música a ponto de me procurar depois da apresentação para saber como é que ela poderia ter acesso àquele tipo de música – que, segundo ela, era de muito refinamento. Disse-lhe que se tratava de uma recriação que fizera de um romance anônimo e popular que escutara de uma cantadeira nordestina. Curiosa, perguntou-me se eu ainda iria rever essa cantadeira e se, quando isso acontecesse, ela poderia me acompanhar. Fiquei surpreso com a sua disposição e lhe disse que, coincidentemente, iria voltar a vê-la em breve. A musicista não relutou em afirmar que estaria presente a esse encontro, mesmo sabendo que para isso teria de fazer uma viagem razoavelmente longa.

Não me recordo exatamente quantos meses se passaram dessa data até o encontro, mas o fato é que, no dia aprazado, nos encontramos na capital do estado de nascimento da cantadeira e rumamos para um município distante pouco mais de uma hora, onde ela morava e a escutaríamos.

À medida que o carro se deslocava do centro urbano da cidade para o pequeno município, a estranheza se plantava no rosto da musicista. A impressão que tenho é de que ela nunca visitara uma cidade do interior, e muito menos do nordeste… Chegamos ao município e logo rumamos para um sítio um pouco afastado dele. Lá, perguntei pela minha amiga cantadeira à meninada que já rodeava o carro, e imediatamente foram chamá-la. Ao vê-la aparecer, o rosto da musicista se transformou. A minha amiga cantadeira, uma negra, usava chinela Havaianas (mais para reciclagem do que para qualquer outra coisa), pitava um cachimbo e, ademais, tinha um certo jeitão serioso no olhar… Seguiu-se a apresentação entre ambas, a musicista cada vez mais dando sinais de estupefação. Conversamos alguma coisa e logo pedi à cantadeira que nos cantasse alguns romances. Normalmente ela cantava sozinha – a capela, como se diz – e fui de pronto atendido. Lembro-me de que ela cantou uns dez romances, pelo menos…

Provavelmente minha amiga musicista pensou que encontraria uma figura de cantadeira semelhante àquelas que o cinema edulcora quando quer revelar alguma cena ambientada na Idade Média. Ou pensava, talvez, encontrar alguma dessas cantoras de obras medievais que os CDs (na época em alta) apresentam em reconstituições de época em que tudo parece ser novinho, bonitinho, higienizado, sem ranhura ou ruído. A nossa cantadeira, pelo contrário, tinha uma voz rouca, não dispunha da maioria dos dentes, os cabelos encarapinhados eram pobremente cuidados e vez por outra ainda cuspia para os lados…

Mas foi a partir do momento em que a cantadeira começou a “tirar” os romances que o semblante da musicista deu uma guinada. À medida que a cantadeira cantava e que sua voz ia esquentando, o rosto da musicista também ia se transfigurando. Conforme ela ia entendendo os textos das narrativas, as formas estróficas em que eram cantados, o desenho das melodias, a rítmica sutil mas presente, os recursos de voz utilizados na cantarolagem dos versos etc.,  a sua disposição de espírito ia gradativamente se modificando. Uma aquiescente generosidade se instalava em seu rosto. Arrisco dizer que o que nela se passava era a descoberta de alguma  riqueza oculta que ela começava a perceber, riqueza esta, todavia, difícil de acreditar ser possível encontrar numa pessoa com aquela aparência e vivendo dentro daquele contexto social. Sua formação musical dava-lhe ainda preparo para entender os modos e escalas em que a cantadeira cantava os romances, a antiguidade e atualidade dos procedimentos por ela utilizados, os  fios temáticos das histórias.

Não me recordo se me encontrei novamente com a musicista. De qualquer forma, espero que, assim como para mim, momentos como aquele tenham lhe servido para perceber um pouco da questão da cultura popular brasileira, um assunto que me parece longe de ser levado a sério na dimensão que exigiria.

O outro tópico do artigo do Singer dispensa comentário e historieta: “Chegou a hora da grande política, em que os partidos precisam ser partidos, os estadistas, ser estadistas, e a sociedade vai testar o próprio grau de maturidade”.

 

Nóbrega

 

*Romance é o nome dado a histórias narradas e cantadas em versos. O nosso Romanceiro, nome dado ao conjunto dessas narrativas, é de origem ibérica e uma das manifestações formadoras da literatura de cordel.


Mario, o trezentão

By Antonio Nóbrega | 5 março 2015

(Sugestão da equipe: leia o post ao som de Truléu, Léu, Léu, Léu do disco “Na Pancada do Ganzá” (1995), dedicado a Mário de Andrade.)

“Recolhendo e recordando esses cantos, muito deles tosquíssimos, precários às vezes, não raro vulgares, não sei o que eles me segredam que me encho todo de comoções essenciais, e vibro com uma excelência tão profundamente humana, como raro a obra de arte erudita pode me dar.”

“Do fundo das imperfeições de tudo quanto o povo faz, vem uma força, uma necessidade que em arte equivale ao que é a fé em religião. Isso é que pode mudar o pouso das montanhas.”

 

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Os dois parágrafos acima foram escritos por Mário de Andrade, provavelmente em 1934. Eles comporiam o prefácio da coleção de registros e estudos que pensava publicar sob o nome de Na Pancada do Ganzá. Mário morreu há setenta anos e oito dias atrás, ou seja, no dia 25 de fevereiro, vítima de um enfarte fulminante aos 51 anos (sua obra entra em domínio público no ano que vem). Deixou-nos um extenso e precioso legado. Foi poeta, romancista, cronista, professor de música, ensaísta, missivista, gestor cultural, pesquisador e estudioso da cultura popular brasileira. Foi trezentos… Muitos de nós o conhecemos unicamente como o autor de Macunaíma, sem dúvida umas das obras fundamentais da literatura brasileira, mas eu, particularmente, tenho um apreço e admiração incomensuráveis  pelos seus estudos e escritos focados na busca de entendimento do papel da cultura – e em especial da cultura popular – no homem e no contexto da sociedade brasileira. Figuras como Mário de Andrade não são simplesmente para serem lidas, estudadas, admiradas e lembradas, são para serem colocadas em prática! E aí é preciso, antes de mais nada, conhecê-lo.

Jovens que frequentam os cursos e palestras que dou me pedem muitas vezes para indicar obras que os ajudem no entendimento do que chamo de a linha de tempo cultural popular. Vou aproveitar o ensejo deste artigo para, atendendo essa demanda, indicar alguns livros de Mário dedicadas ao tema. Eles ajudarão no conhecimento não só do autor e de sua obra como do Brasil. São elas:

Danças Dramáticas do Brasil (três volumes)

Os Cocos

As Melodias do Boi e Outras Peças

Aspectos da Música Brasileira

Ensaio sobre a Música Brasileira

Pequena História da Música

Dicionário Musical Brasileiro

Música de Feitiçaria no Brasil

Com a morte prematura de Mário, coube inicialmente à Oneyda Alvarenga, uma aluna e colaboradora dele, a organização da maioria desses livros. Para aqueles que lerão as Danças Dramáticas, eu recomendo que leiam e releiam quantas vezes sejam necessárias a Introdução (está no primeiro volume). Um texto, para mim, ainda completamente atual. Leiam todos os asteriscos e notas ligados aos seus textos. E não deixem também de ler  os apêndices que estão no final d’Os Cocos.

Para quem se interessar em aprofundar o conhecimento do escritor, de sua obra, do seu legado, uma visita ao Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB) será fundamental. Todo seu acervo – originais, suas coleções e correspondências, etc. –  está lá e é lá, ainda, onde se encontra uma das maiores conhecedoras de Mário e de sua obra, a pesquisadora e professora titular Flávia Toni.

Vários livros já foram publicados sobre Mário e aspectos de sua obra. Eu tenho um especial apreço por um livrinho (magro de tamanho e gordo de “tutano”) do André Botelho, chamado Mário de Andrade – uma Descoberta Intelectual e Sentimental do Brasil. O título traduz à risca o livro. É uma publicação da Companhia das Letras (selo Claro Enigma) dentro da coleção “De olho em”.

Vou finalizar este artiguete com aquele mesmo poema do Mário com o qual o André concluiu o seu prazeroso livro.

EU SOU TREZENTOS

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,

As sensações renascem de si mesmas sem repouso,

Oh espelhos, oh Pireneus! Oh caiçaras!

Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!

 

Abraço no meu leito as milhores palavras,

E os suspiros que dou são violinos alheios;

Eu piso a terra como quem descobre a furto

Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!

 

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,

Mas um dia afinal eu toparei comigo…

Tenhamos paciência, andorinhas curtas,

Só o esquecimento é que condensa,

E então minha alma servirá de abrigo.

 

A Nobrega