By Antonio Nóbrega | 5 março 2015 | Sem Comentários
(Sugestão da equipe: leia o post ao som de Truléu, Léu, Léu, Léu do disco “Na Pancada do Ganzá” (1995), dedicado a Mário de Andrade.)
“Recolhendo e recordando esses cantos, muito deles tosquíssimos, precários às vezes, não raro vulgares, não sei o que eles me segredam que me encho todo de comoções essenciais, e vibro com uma excelência tão profundamente humana, como raro a obra de arte erudita pode me dar.”
“Do fundo das imperfeições de tudo quanto o povo faz, vem uma força, uma necessidade que em arte equivale ao que é a fé em religião. Isso é que pode mudar o pouso das montanhas.”
Os dois parágrafos acima foram escritos por Mário de Andrade, provavelmente em 1934. Eles comporiam o prefácio da coleção de registros e estudos que pensava publicar sob o nome de Na Pancada do Ganzá. Mário morreu há setenta anos e oito dias atrás, ou seja, no dia 25 de fevereiro, vítima de um enfarte fulminante aos 51 anos (sua obra entra em domínio público no ano que vem). Deixou-nos um extenso e precioso legado. Foi poeta, romancista, cronista, professor de música, ensaísta, missivista, gestor cultural, pesquisador e estudioso da cultura popular brasileira. Foi trezentos… Muitos de nós o conhecemos unicamente como o autor de Macunaíma, sem dúvida umas das obras fundamentais da literatura brasileira, mas eu, particularmente, tenho um apreço e admiração incomensuráveis pelos seus estudos e escritos focados na busca de entendimento do papel da cultura – e em especial da cultura popular – no homem e no contexto da sociedade brasileira. Figuras como Mário de Andrade não são simplesmente para serem lidas, estudadas, admiradas e lembradas, são para serem colocadas em prática! E aí é preciso, antes de mais nada, conhecê-lo.
Jovens que frequentam os cursos e palestras que dou me pedem muitas vezes para indicar obras que os ajudem no entendimento do que chamo de a linha de tempo cultural popular. Vou aproveitar o ensejo deste artigo para, atendendo essa demanda, indicar alguns livros de Mário dedicadas ao tema. Eles ajudarão no conhecimento não só do autor e de sua obra como do Brasil. São elas:
Danças Dramáticas do Brasil (três volumes)
As Melodias do Boi e Outras Peças
Ensaio sobre a Música Brasileira
Música de Feitiçaria no Brasil
Com a morte prematura de Mário, coube inicialmente à Oneyda Alvarenga, uma aluna e colaboradora dele, a organização da maioria desses livros. Para aqueles que lerão as Danças Dramáticas, eu recomendo que leiam e releiam quantas vezes sejam necessárias a Introdução (está no primeiro volume). Um texto, para mim, ainda completamente atual. Leiam todos os asteriscos e notas ligados aos seus textos. E não deixem também de ler os apêndices que estão no final d’Os Cocos.
Para quem se interessar em aprofundar o conhecimento do escritor, de sua obra, do seu legado, uma visita ao Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB) será fundamental. Todo seu acervo – originais, suas coleções e correspondências, etc. – está lá e é lá, ainda, onde se encontra uma das maiores conhecedoras de Mário e de sua obra, a pesquisadora e professora titular Flávia Toni.
Vários livros já foram publicados sobre Mário e aspectos de sua obra. Eu tenho um especial apreço por um livrinho (magro de tamanho e gordo de “tutano”) do André Botelho, chamado Mário de Andrade – uma Descoberta Intelectual e Sentimental do Brasil. O título traduz à risca o livro. É uma publicação da Companhia das Letras (selo Claro Enigma) dentro da coleção “De olho em”.
Vou finalizar este artiguete com aquele mesmo poema do Mário com o qual o André concluiu o seu prazeroso livro.
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,
As sensações renascem de si mesmas sem repouso,
Oh espelhos, oh Pireneus! Oh caiçaras!
Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!
Abraço no meu leito as milhores palavras,
E os suspiros que dou são violinos alheios;
Eu piso a terra como quem descobre a furto
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo…
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo.
A Nobrega