By Antonio Nóbrega | 23 outubro 2014 | Sem Comentários
“Ao me dispor a proferir algumas palavras hoje aqui vi-me na seguinte contingência: o que eu poderia falar que, minimamente, pudesse fortalecer e ampliar o ânimo de que ainda necessitamos para prosseguir numa campanha marcada pelo espírito da tragédia e da violência?
E quando me refiro à violência é sobretudo a verbal.
Essa foi uma campanha em que as palavras foram continuamente desrespeitadas, desonradas! De nada valeram a beleza e verdade que imanentemente elas têm!
O poder da mídia em desinformar tem sido realmente desesperador e essa desinformação, como num jogo de espelhos, tem se mostrado um dos modos mais monstruosos de se fazer política.
Continuo apostando na dimensão social do governo Dilma e estou aqui revalidando fervorosamente essa aposta, mas dizer isso não me impede de falar também que temos de encontrar uma maneira nova de confrontar a violência alheia.
Temos de descobrir um modo de pular fora desse velho jogo do dente por dente, do olho por olho a que estamos acostumados a ver no jogo político.
Ora, em algum momento alguém terá que quebrar esse ciclo vicioso…
Nós os poetas, parece que de alguma forma, conseguimos quebrá-lo.
Recorro à lembrança e saudade de Ariano Suassuna.
Numa conversa que certa vez tive com ele, comentou que todos nós guardávamos dentro de nós o estigma do Rei e o do Palhaço.
Eu cá comigo acho que a civilização em que vivemos inflacionou o espírito do Rei enormemente. Muitíssimos mais de nós preferiríamos ser Rei do que Palhaço.
Inspirado por essa sua observação escrevemos eu e o poeta Bráulio Tavares uma canção da qual vou cantar algumas de suas estrofes.
Oxalá elas tragam algum relampeio de quietude para todos os que assistimos e acompanhamos o difícil combate a que a nossa querida Dilma corajosamente vem enfrentando.
Sua coroa é de ouro,
o meu chapéu é de palha.
Sua cota é de malha,
o meu gibão é de couro.
Sua justiça é no foro,
minha lei é o consenso.
O seu reinado é imenso,
minha casa é o meu país.
Você é preso ao que diz,
eu digo tudo o que penso.
Você vem com a arma erguida,
eu vou abaixando a guarda.
Você vem vestindo a farda,
eu de roupa colorida.
Você disputa corrida,
eu corro pra relaxar.
Sua marcha é militar,
a minha é de carnaval.
Seu traje é de general,
eu visto pena e cocar.
Você vem com a força bruta,
eu vou com a ginga mansa.
Você vem erguendo a lança,
e eu erguendo a batuta.
Você me traz a cicuta,
eu lhe dou chá de limão.
Você diz que é capitão,
eu só sou um mensageiro.
Você é um brigadeiro,
eu sou só um folgazão.
Você liga a motosserra,
eu planto flor no cerrado.
Você só anda calçado,
eu piso com o pé na terra.
Você quer vencer a guerra,
eu quero ganhar a paz.
Você busca sempre mais,
eu só quero o que é meu.
Você se acha europeu,
eu sou dos canaviais.”