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Nascimento do Brincante V – A máquina do mundo

By Antonio Nóbrega | 25 novembro 2013 | Sem Comentários


Quem leu os meus blogue-textos anteriores já se deu conta de que venho protelando finalizar essa história de como o teatro e o espetáculo Brincante nasceram. No terceiro texto da série eu dizia que numa aula da Denise Stoklos tomei conhecimento de um livro do “clown” suíço, Dimitri. Nessa época eu andava numa crise artística braba – nunca, aliás, deixei de tê-las, para minha sorte…– pois buscava dar espírito e forma ao meu personagem Tonheta. Se naquela época boa parte do seu espírito eu já havia encontrado – a partir do meu encontro com a figura do Mateus dos espetáculos populares – ainda muito havia que encontrar. Abrir aquele livro, portanto, e dentro dele me deparar com fotos e depoimentos de um artista que se especializara na arte da palhaçaria e que se apresentava em teatros do mundo inteiro com os seus espetáculos solos, me dava uma enorme alegria e fascínio. Tomei, então, a decisão de conhecer o tal sujeito e o seu Teatro Scuola Dimitri. Como na época não havia Internet, os caminhos para estabelecer contato eram o postal, o telefônico e o recente fax. Pois bem, foi nessa gradação de comunicação que depois de alguns meses, precisamente no começo de julho de 1986, tomávamos eu e Rosane um avião da Varig em direção à Suíça onde ficava a diminuta vila de Verscio. Me recordo que tivera a “feliz” ideia de levar conosco o material cênico do meu espetáculo O Maracatu Misterioso, pois tencionava apresentá-lo por lá. Problema. Imaginem: embarcar conosco duas caixas (hoje se diz “cases” ) de tamanho médio, desembarcá-las em Zurique, de lá reembarcá-las de trem para Locarno e daí novamente acomodá-las num pequeno trem que nos levaria até Verscio. Com dois agravantes, ainda: nunca tínhamos ido à Europa e Rosane estava no sexto mês da gravidez de Maria Eugênia…Me lembro bem: eu e Rosane, por volta das 23 horas da noite, empurrando pela vielas de Verscio as duas caixas (é verdade que tinham rodinhas…), carregando malas e instrumentos musicais, tentando descobrir a residência do senhor Jean Moncero, o coordenador pedagógico da Scuola com o qual tínhamos contatado. Deve ter tomado um baita susto o senhor Moncero quando nos viu no portão de sua casa gritando “messier Moncerô! messier Moncerô…! Tenho para mim, que por mais que tivéssemos avisado que chegaríamos em Verscio naquela noite, ele não acreditou totalmente quando nos viu. O fato é que ali estávamos – para ele feito vivalmas de outro mundo – perguntando-lhe onde ficava a pousada a qual eu fizera reserva. De um janelão de um alto sobrado, o senhor Moncero perplexo e semi acordado nos indicava o caminho. Ao perguntar-lhe se não poderíamos deixar as nossas caixas na sua casa até a manhã seguinte, ele nos informou que podíamos deixar ali mesmo. Uma resposta que lhe parecia ser absolutamente natural. Mas como? Deixar ali mesmo na rua, na calçada…? Nos entreolhamos eu e Rosane e foi aí que percebemos que caía a primeira ficha dentre as várias que iriam cair naquela desafiadora viagem. Do lugar onde estávamos, víamos não só o rosto e o tronco silhuetados de Moncero, como o coalhado, infinito e misterioso céu de estrelas do verão europeu.

É claro que não me vieram à lembrança os versos do Poeta, mas bem que eles casavam com o que sentíamos:

“E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som dos meus sapatos,

a máquina do mundo se entreabriu.”
(A Máquina do Mundo, Carlos Drummond de Andrade)