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Nascimento do Brincante IV – Mestre Antônio Pereira

By Antonio Nóbrega | 18 novembro 2013 | Sem Comentários


Antes, todavia, de chegar em Verscio, como prometi contar, ainda terei de dar um cambalhota para trás nesse relato. Relendo o texto anterior para pegar a “deixa” e seguir para esse, vi que poderia falar um pouco sobre a figura do “velho e famoso brincante popular Capitão Antônio Pereira” a que me referi naquele texto como o dono e diretor do Boi Misterioso de Afogados. Esse “capitão”, de brincante patente, quando o conheci já era octogenário mas ainda “brincava” no Boi. Botava figuras (expressão que em língua de bumba-meu-boi significa “representava personagens e figuras diversas”) e, montado no Cavalo Marinho, comandava o “brinquedo”. Posso dizer que ele foi o meu grande mestre iniciador nas artes do teatro popular brasileiro. Com ele aprendi os toques de percussão da “brincadeira”; as loas e chamadas-de-entrada e saída das figuras, bem como as suas falas e jogo gestual; aprendi a confeccionar as tais figuras – boi, cavalo, morto-carregando-o vivo, ema, pigmeu, babau, etc. – a partir de cipós de jacuipiranga recolhidos nos mangues e que serviam de armação para panos de estopa e lonas velhas que prendíamos nos cipós e as pintávamos com tinta óleo como que esculpindo as figuras. Para essas tarefas cedo pela manhã chegava em sua casa e só pela boca da noite é que ia embora. Morava numa casa pobre – metade de barro, metade de alvenaria –, embora muito bem cuidada e bem arrumadinha por sua mulher d. Maria, “crente” fervorosa. A viela estreita em que a casa ficava, fosse na época das chuvas, me proibia de visitá-lo. O local, denominado de Mustardinha, fazia parte do bairro de Afogados, uma região que, como o nome sugere, era recortada pela presença de manguezais. Sempre que comia em sua casa ele me brindava com uma frase que ainda hoje repito quando os amigos vêm comer na minha: “aqui tem de tudo, só não tem o que está faltando…”
Se o capitão Pereira me trouxe o primeiro entendimento do que era a “brincadeira” do Boi, foi a figura do Mateus Guariba que me despertou a vontade de dançar e atuar comicamente. Foi através dela que me conectei com o universo da dança. Até então nunca tinha me aproximado desse mundo. Mas aquele arsenal de passos, aqueles trejeitos mugangueiros e divertidos do Mateus me seduziam enormemente. Resolvi aprendê-los e até hoje eles fazem parte da minha memória e imaginário corporal.
Mas voltando ao Capitão Pereira, fiquei-lhe tão agradecido pelos ensinamentos que me propiciava que um dia idealizei uma solenidade pública para homenageá-lo. Criei para ele o título de Mestre Supremo e Perpétuo da Brincadeira do Boi e numa tarde de sábado na Casa da Cultura de Recife, com toda pompa e circunstância, eu e os meus amigos integrantes do Boi Castanho Reino do Meio Dia lhe outorgamos o título. Essa titulação foi feita através da entrega de uma comenda, de um pergaminho e de um discurso-texto por mim proferido cujo conteúdo estará em breve nesse blog. Certamente esse foi o único artista brasileiro a receber tal titulação…
Por essa ocasião, Mestre Pereira tinha 88 anos. Ele morreria quatro anos depois, no dia dois de maio de 1981. Morria aos 92 anos . Nesse dia eu completava 29.