Húmus



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Húmus é o nome do espetáculo em que, dando nascimento à Cia Antonio Nóbrega de Dança, procuro dar continuidade ao meu projeto de criação em dança tomando como ponto de partida a assimilação e estudo das matrizes corporais presentes em inúmeras manifestações populares brasileiras. Esse universo de matrizes tem sido para o meu trabalho o chão sobre o qual se decantam inúmeras outras contribuições oriundas, principalmente, da tradição ocidental da dança. Na verdade, o que estou procurando apresentar através das coreografias desse espetáculo é um certo ponto de fusão ou equilíbrio – uma espécie de território de confraternização – entre as duas linhas de tempo cultural que marcam a formação da arte e cultura brasileiras: a popular, reconhecida como de natureza oral, tradicional, regional, de raiz, etc. e a europeia ou ocidental, identificada como erudita, letrada, artística, etc.
Não é difícil constatar que a tradição da dança ocidental é hegemônica dentro da cultura da dança no Brasil. Da dança clássica à dança contemporânea, passando pela moderna e a neoclássica o pensamento sobre a dança e os recursos corporais com o qual o bailarino brasileiro se move vêm basicamente da linha de tempo cultural europeia ou ocidental. Ora, o Brasil, como todos sabemos, não é só europeu ou ocidental. Paralelamente ao desenvolvimento da dança ocidental, uma outra forma de dança também se desenvolveu por aqui nessa parte do hemisfério sul. Para se ter uma ideia da diferença de desenvolvimento entre elas, tomemos como paradigma de comparação o século XVII europeu e o brasileiro: enquanto lá, por meio das festas realizadas na corte dos reis franceses, eram dados os primeiros passos naquilo que viria chamar-se de dança ou balé clássico, aqui no Brasil, eram os batuques devocionais e diversionais realizados nas senzalas e terreiros um daqueles eventos e situações que davam partida à constituição da dança brasileira.
Com Húmus tento diminuir a cisão existente no país entre as duas grandes linhas de tempo cultural que dão forma e espírito à nossa arte e cultura. Oxalá a dança se torne ainda um dos meios para que esse divórcio se apague.