By Antonio Nóbrega | 24 abril 2022 | Sem Comentários
Antonio Nóbrega-Bráulio Tavares
Arranjo Edmilson Capelupi
Pelejo e não posso ver
pra onde vai o caminho…
O espírito tá escuro
e o mundo tão brumadinho…
A neblina cobre a serra
feito fumaça de guerra.
E eu avanço lentamente
na manhã do nunca mais…
Com pena de olhar pra trás
com medo de olhar pra frente.
Noite antiga e dia novo,
eu já passei nessa estrada.
Lembro mais da minha história
cada vez que ela é contada.
Viajei feito migrante
que no mar do Sol Levante
navegou, desceu na areia,
caminhou pisando a espuma…
E no céu nascia uma
lua branca, imensa e cheia.
Como a névoa pelo ar
o tempo vai se espalhando…
Pelejo e fico pensando
se adianta pelejar…
Olho o dia clareando
através do nevoeiro…
O futuro é um lugar
perigoso e estrangeiro.
E quem chega lá primeiro
nessa luz há de queimar.
By Antonio Nóbrega | 24 abril 2022 | Sem Comentários
Antonio Nóbrega-Wilson Freire
Arranjo Edmilson Capelupi
Brasil,
pátria que te pariu,
foi o Rio de Janeiro
quem te balançou primeiro.
Teu corpo,
nascido na Maré,
mina, mana, mulher,
floresceu nesse terreiro.
Contrariando o seu destino
cantou o seu próprio hino
e mudou a sua sina.
Com a resistência
dos gays, pardos, pretos e índios
escreveu a sua história.
Brasil,
pátria que te pariu,
pergunta
a flor da pele:
quem mandou matar Marielle?
Numa emboscada os seus algozes
cumpriram os seus planos
de calar a sua voz.
Os tiros roubaram-lhe a vida
mas não os seus sonhos,
que ecoam em outras vozes…
Brasil,
pátria que te pariu,
pergunta
já a flor da pele:
quem mandou matar Marielle?
By Antonio Nóbrega | 24 abril 2022 | Sem Comentários
Antonio Nóbrega-Wilson Freire
Arranjo Edson Alves
No semba, no samba,
umbigos ambíguos
se tocam, se trocam
saberes, sabores.
Tremores, tambores,
batuques felizes.
Febris quadris
na ginga me instigam.
Eu viço, me atiço,
me atiro no rito.
Eu piro no giro,
eu pulso, eu pulo.
Em transe me entranço,
me Insano, me dano.
Agora é hora,
Aurora, s’embora!
By Antonio Nóbrega | 24 abril 2022 | Sem Comentários
Antonio Nóbrega – Wilson Freire
Criação percussiva – Léo Rodrigues
Tô embolando
na bola da embolada,
minha voz tá embalada
na balada do embolar
A poesia
é das letras maioral,
ela é santa, é infernal
na jornada do rimar.
Como um macaco
cada rima tem seu galho,
não é alho com bugalho,
cada som tem o seu par.
No português,
a raiz da poesia
e de toda cantoria
é uma estrofe milenar.
É miudinha
e é bem espevitada,
mas é muito respeitada
por quem gosta de rimar.
É conhecida
pelo nome de quadrinha,
tá no samba, na modinha
e em todo batucar.
Está em Chico,
em Drummond e João Cabral,
na poesia marginal,
no erudito e popular.
Ela é uma estrofe
formada de quatro versos,
que nunca estão dispersos,
alternados vão rimar.
E cada verso,
pra quadra ficar certinha,
sete sílabas alinha
se quiser pode contar…
Tô embolando…
Tem a sextilha,
uma estrofe de seis linhas,
sete sílabas justinhas
bem fáceis de soletrar.
Igual à quadra,
rimas também alternadas,
muito bem cadenciadas
pro poeta não errar.
Se acrescento
duas linhas à sextilha
eu aumento a família
e outra estrofe vou ganhar.
É o quadrão
ou então mourão voltado,
tudo bem metrificado
pra quem queira versejar.
Mais duas linhas
acrescento ao quadrão
e a estrofe agora, então,
vira décima, veja lá.
E com dez pés
muitas estrofes se tem,
mais modalidades vêm
para a arte do rimar.
Agalopado
é uma décima de dez sílabas,
que é irmã da hendecassílaba
nome chato de falar.
Por isso, então,
essa forma na poesia
se chama na cantoria,
de Galope beira mar.
Tô embolando…
Mas tem ainda
Gabinete e a Gemedeira
que é uma estrofe risadeira,
mas serve pra lamentar.
Tem o Rojão,
A Parcela e a Setilha,
a Ligeira e a Carretilha,
dessa agora eu vou falar.
Essa criatura
é uma estrofe bem sonora,
amiga de toda hora
da arte do meu rimar.
Uma lindeza,
é parente da quadrinha,
é também de quatro linhas
ligeirinhas de cantar.
É com essa estrofe
que eu estou embolando,
e a plateia embalando
para o tempo não passar.
Cadenciada,
é minha locomotiva
do juízo, é emotiva,
princesa do meu cantar.
A diferença
é o verso que começa:
é mais curto, mais depressa,
quatro sílabas estão lá.
E a sua rima,
que não é intercalada,
ela é, sim, emparelhada,
acompanhe o meu cantar.
Prestem atenção:
rimam os versos do meio,
o que muda é o balanceio
do brinquedo do rimar.
E é dessa amiga,
que sempre está me ajudando
que eu vou me desplugando
pra seguir pra outro embalar.
Tô embolando…
By Antonio Nóbrega | 24 abril 2022 | Sem Comentários
Antonio Nobrega-Rodrigo Bragança
Arranjo Edmilson Capelupi
Mato é o cabelo da terra
flor é o sorriso do mato
pólen, a carta de amor
abelha, carteiro-jato
mel é o desejo do pólen
pétala, orgasmo do tato.
Lua é o olho do céu
ralo é a boca do chão
gato, as pernas da noite
chuva é o confete do cão
poste é o abajur da rua
nuvem, prenhez do trovão.
Concha é o ouvido do mar
brisa é deus cochichando
onda, a mão do oceano
calor, o sol abraçando
pegada, selo do pé
pedra é o tempo esperando.
Som é o escuro do surdo
mão é a boca do mudo
música, a dança das notas
grave é a barriga do agudo
vida, o corpo em travessia
morte, o começo de tudo.
By Antonio Nóbrega | 24 abril 2022 | Sem Comentários
Antonio Nóbrega-Wilson Freire
Arranjo Edmilson Capelupi
A minha nau
não navega no oceano.
A minha nau
não navega nesse mar.
A minha nau
só navega noutro plano.
Oh! Marinheira,
me ensina a navegar.
À deriva pelo cosmos
numa Nau Catarineta,
vejo os bilhões de marujos
desta nossa Nau Planeta.
São passageiros piratas,
levam o verde, ouro e prata,
tripulantes pernetas.
Terra, terra, terra, terra,
nave-mãe que me pariu.
Que me deu o fogo e o ar,
água do mar e dos rios.
Ancoramos em teu porto,
ainda usamos teu corpo,
como quem te invadiu.
Meu planeta solitário
na imensidão perdida,
como um Quixote dos céus
sonho tua reconquista.
Dessa Nau celeste e alta,
eu, um errante argonauta,
volto a gritar: terra à vista!
Oh! Marinheira,
me ensina a navegar.
By Antonio Nóbrega | 24 abril 2022 | Sem Comentários
Antonio Nóbrega-Wilson Freire
Arranjo Edmilson Capelupi
E eu que vivo à deriva
como migram os continentes,
feito folha no outono,
qual no mar a água-viva.
E eu que vivo à espreita
como a caça e o caçador.
Um estrangeiro clandestino
sob o pano da suspeita.
E eu que vivo o espanto
como quem chega de um parto,
igual quem escapa da morte
ou quem cai de um encanto.
Nessa nave viva vida,
tripulante ou passageiro,
não sou último nem primeiro
de chegada ou de partida.
By Antonio Nóbrega | 24 abril 2022 | Sem Comentários
Antonio Nóbrega-Bráulio Tavares
Arranjo Edmilson Capelupi
O poeta é alquimista:
funde secreta mistura
de onde extrai o que procura
e que não alcança a vista.
Poeta é malabarista,
é prestidigitador:
traça as mãos ante o leitor,
trapaceia-lhe os sentidos,
ilude os olhos e ouvidos…
O poeta é um fingidor.
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente,
que chega a fingir que é dor.
A dor que deveras sente.
Cada linha que ele traça
abre mil bifurcações;
cada estrofe das canções
se funde noutra argamassa.
É perseguidor e caça
na selva espessa da mente.
Nos ilude e de repente
de caçador vira presa.
Tudo nele é de surpresa.
Finge tão completamente!
O poeta é um fingidor…
Cada verso seu declara
o que o próprio som não soa.
Moeda a girar, coroa,
e no mesmo instante cara.
E dessa matéria rara
ele extrai outro valor,
que transborda o próprio amor,
se transforma em seu vício,
tão intrincado e difícil
que chega a fingir que é dor.
O poeta é um fingidor…
Dizem que é no coração
que ele esconde seus segredos,
sua coragem, seus medos,
o seu sim, e o seu não.
Mas quem tocará com a mão
nessa lava tão ardente?
Com tanta ilusão fervente
lá no fundo do seu ser,
ninguém pode perceber
a dor que deveras sente.
O poeta é um fingidor…
By Antonio Nóbrega | 24 abril 2022 | Sem Comentários
Antonio Nóbrega-Wilson Freire
Arranjo Edson Alves
Nem na faca, nem no grito,
nem na tapa, nem na bala,
nem na forca, nem na força,
nem na dor que a tudo estala.
Minha voz não silencia
porque poeta não cala.
Nem no açoite, nem no tiro,
nem na lança que empala,
na angústia, na tortura,
nem na morte que avassala.
Minha voz não silencia
porque poeta não cala.
Minha voz vem do peito e da garganta
de Homero, de Lorca e Lourival,
Bob Dylan, Leminski e João Cabral,
de Camões, de Cecília que encanta.
É a voz que exalta, grita e espanta
a amargura, a tristeza, e a tudo embala.
É o grito do mundo, da senzala,
de Drummond, Vilanova e Neruda.
Da beleza e do sonho não desgruda…
É que a voz de um poeta nunca cala.
Nem no fogo, afogado,
nem no ódio que embala,
nem no berro, nem no ferro,
nem na cela, sem a fala.
Minha voz não silencia
porque poeta não cala.
Nem na tranca, nem no tranco,
nem no tronco da senzala.
Nem na trama, nem no golpe,
na mentira que entala!
Minha voz não silencia
porque poeta não cala.
O racismo, a mentira e a opressão
são doenças dos tempos, são as cáries
que alimentam terrores e barbáries,
abrem portas para a destruição.
A poesia é uma arma, é munição,
um antídoto, o fortim, o sentimento
libertário e liberto como o vento,
que na paz se encerra e principia.
A poesia é escudo e armamento
contra o ódio que cega e silencia.
By Antonio Nóbrega | 8 março 2017 | Sem Comentários
Quebrando coco
de praia, de Catolé,
perguntei-me o que é
que com este mundo há?
Como num filme
preto e branco e a cores,
cheio de risos e dores,
eu agora vou narrar.
Começo em Minas
onde a VALE se derrama.
Sobre o vale um mar lama,
sobre um povo e um lugar.
Matando a fauna,
bicho homem e toda flora.
Hoje a natureza chora
do Rio Doce até o mar.
Eu vi as bolsas
despencarem nos pregões
euro, dólar, meus tostões,
onde é que vão parar?
Vão para os bolsos
do mercado financeiro
que governa o mundo inteiro
sem ninguém para vetar.
Lá pela Síria
eu vi bombas a granel.
Feito chuva, vêm do céu
destruir tudo o que há.
Bomba francesa,
bomba norte americana,
bomba russa e muçulmana,
e a bubônica bomba Agá
E as multidões
dos exilados das guerras
procuram por uma terra
onde em paz possam ficar.
Cruzam desertos
com fome, sede e com medo.
Muitos têm como degredo
naufragar, morrer no mar.
Fecham fronteiras,
erguem cercas, paredões,
campos de concentrações,
currais de gente sem lar.
Intolerância
política e religiosa,
combinação perigosa
que já vimos no que dá.
E a Palestina
peleja com Israel
por um chão sob este céu,
por um mar pra navegar.
Ter o direito
de ser livre e ser nação.
Essa paz e a comunhão
quero um dia aqui cantar.
E o terrorismo,
no tempo do meu avô,
era um filme de terror
no cineminha de lá.
Hoje é um fantasma
que assombra, é um sistema,
não é coisa de cinema,
mas é, sim, de assustar.
Esse meu xote
pega tudo isso e junta,
e aí faço a pergunta:
para onde o mundo irá?
É uma questão
que roda a terra e não descansa,
ainda tenho a esperança,
de que isso passará.
Minha canção
é do meu tempo, é um diário
que acompanha o calendário
do que vejo pra informar.
Numa outra vez
o assunto se renova
e a notícia Boa Nova
eu espero aqui contar.
Música feita numa parceria de Antonio Nóbrega com o poeta Wilson Freire, apresentada nos shows de carnaval 2017